quinta-feira, 17 de maio de 2012

O ciclo da “balde furado”

por Rogério Sanches Revelles.
A venda consultiva continua sendo um caminho longo... E duradouro!
Vender não é apenas vontade e voluntariedade. Vender também não deve ser um processo tecnológico e impessoal, ocasionando reflexos pessoais. Quando fazia administração de empresas na Faculdade São Judas, li o livro de ficção 1984 de George Orwell, um escritor e jornalista inglês. Nesse livro, o autor mencionava os efeitos de uma vigilância constante nas palavras, atitudes e comportamentos, realizada pelo intitulado “grande irmão” através de uma “tele-tela” na vida pessoal dos integrantes de um partido.

* Uma das capas dessa consagrada publicação.

Na época, imaginei um futuro chato e controlado. Hoje essa realidade está cada vez mais próxima. Os clientes são abordados e atendidos por apelos chamativos da "tele-tela" (nossos computadores, aparelhos de TV, tablets ou telefones celulares) e mal conseguem se comunicar nas chamadas centrais de relacionamento.
Os conceitos da venda consultiva começam a ficar nublados em razão da velocidade de tudo em nossa volta. Conversar, olhar, ouvir e compreender começam a tornar-se artigos de luxo nesse mundo lógico de um capitalismo selvagem que insiste em sobreviver.
Vale lembrar uma passagem de minha carreira que demonstra os efeitos das filosofias imediatistas na política comercial das organizações.
Encontrei o Alencar próximo ao metro São Bento, sentado em um banco do calçadão, próximo ao mosteiro, envolvido e mergulhado em seu telefone celular.
Depois de uma breve saudação, ele finalmente saiu do “transe tecnológico” e me reconheceu. Guardou seu pequeno aparelho, e começamos a conversar. 
Alencar era gerente de vendas de uma importadora de cosméticos e perfumes. Conhecemo-nos há cerca de quatro anos quando ministrei um treinamento de vendas consultivas e relacionamento para sua equipe de vendedores, por solicitação da matriz que fica no Rio de Janeiro. 
Antes de desenhar o módulo desse programa, parti para o processo de levantamento de informações e necessidades. Um procedimento técnico que aprendi e adotei com muita seriedade em minha carreira.
Durante aquela entrevista, Alencar demonstrou particularidades muito marcantes em suas convicções: acreditava em resultados rápidos e mostrava-se preocupado com essa moda de venda consultiva.
Para ele, vendedores eficientes precisam gastar a sola dos sapatos e trazer resultados a qualquer custo.
- Temos que convencer os clientes que nosso produto é o melhor!
Foi assim que ele galgou posições em sua vida profissional.
Outro fato que me chamou bastante a atenção naquela oportunidade foi uma espécie “mal acabada” de troféu, bastante singular em sua mesa.

 Naquele momento percebi que teria um trabalho árduo e imediatamente compreendi o propósito e a preocupação da matriz da empresa em aplicar o conceito de vendas consultivas para a equipe de São Paulo onde o “turnover” era representativo.
O programa de treinamento ocorreu algumas semanas depois, e ao contrário do que eu pensava inicialmente, Alencar foi participativo e até demonstrou muito interesse nos conceitos que trabalhamos e praticamos em sala de aula. Envolveu toda a sua equipe com bastante entusiasmo e cobrou a participação de todos na adoção do processo.
Depois de algum tempo, percebi em meu processo de acompanhamento, que o discurso de mudança, adotado em sala de aula, era bem diferente do que continuava acontecendo no departamento de vendas.
Vendedores aborrecidos, clientes reclamando, vendas mal feitas e sem a devida continuidade no relacionamento. Todo processo de mudança não é instantâneo como acostumamos a vivenciar no mundo da tecnologia.
Constatei que ser um consultor de desenvolvimento não é ser um super herói e que a bíblia das vendas consultivas pode ser pregada eficientemente, mas nem sempre é assimilada depois que o culto acaba.
Situações como essa são mais comuns do que pensamos. Atualmente, tudo é rápido. Os canais de venda se multiplicaram na velocidade do aparato tecnológico. As empresas precisam faturar rapidamente, para que assim, possam custear a corrida da era da informação instantânea. Os clientes por sua vez, sofrem ao tentar discutir com mensagens gravadas, robotizadas e padronizadas das “centrais de relacionamento”
O “recall” parece estender seus tentáculos, não apenas para recuperar falhas de produção, mas também para recuperar falhas no relacionamento e no atendimento dos clientes.
A convocação desse recall humano seria mais ou menos assim:

Recall de relacionamento comercial


“Solicitamos de volta sua atenção e fidelidade como nosso cliente”
Não temos mais aqueles vendedores que “sumiram” quando você mais precisou de nós.
Não temos mais aquela central de relacionamento cibernética, que ocasionavam um estresse desnecessário em nossos clientes.
Não temos mais reclamações de atraso ou falta de entrega de nossas mercadorias adquiridas pelo nosso site de vendas.
E lamentamos muito... Não ter mais você como nosso cliente. Volte logo!

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Portanto, a venda consultiva é apenas uma etapa de todo um processo, de amplitude diferenciada, que deve ser iniciada de cima para baixo. É uma questão de filosofia.
Resultados instantâneos, gerados por contatos instantâneos, acabam gerando uma busca infinita por resultados que não deveriam ser instantâneos e passageiros.
É o ciclo da “balde furado” que nunca ficará cheio, independente da grande quantidade de água (recursos) que a empresa destine para o tão sonhado “crescimento economicamente sustentável” 
Quanto ao Alencar?
Voltou a furar mais sapatos em outras empresas com as suas vendas de impacto!

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